O que me vai na alma...

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Há momentos assim... (2)

CANSAÇO
O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas -
Essas e o que faz falta nelas eternamente -;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo. íssimo,
Cansaço...
[Álvaro de Campos]

3 comentários:

Anónimo disse...

Isto é que é conhecer a vida!
Quanto mais leio Álvaro de Campos, mais gosto!
Realmente, às vezes, parece que só vivemos para o cansaço.
E, outras vezes, é tudo tão difícil que, de facto, nos contentamos em desejar coisas pequenas!!!
De vez em quando, penso que era bom não desejar nada.
Mas, depois, parece-me que, quando deixarmos de desejar coisas, é como se estivéssemos mortos!!!

Just me disse...

E eu cansada do estudo... must... study...

Anónimo disse...

Adoro este poema.. adoro F.Pessoa e todos aqueles em que se divide! identifico-me com toda a fragmentação que ele sentia e, neste momento em particular, com este cansaço a que se refere Álvaro de Campos...quem já não sentiu isto pode considerar-se feliz!
beijos, amiga..